"A educação superior não é só para ser doutor. É preciso oferecer para todos a possibilidade de crescimento profissional". A afirmação é do pesquisador Antônio Araújo de Freitas Júnior, vice-presidente da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (Angrad), diretor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Anpad) e professor da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, que concedeu entrevista ao site Aprendiz sobre o quadro atual da educação superior brasileira.
Para ele, formação de tecnólogos é fundamental, pois atenderia ao bojo de estudantes que não tem necessariamente desejos acadêmicos. O pesquisador também tratou da qualidade das universidades particulares, sistemas de avaliação e fundações.
Aprendiz: Como o senhor analisa a expansão do ensino universitário brasileiro e os últimos resultados do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)?
Antônio Alves de Freitas Júnior: O ensino superior brasileiro cresceu bastante nos últimos anos, mas continua pequeno. Temos apenas 9% da população de 18 a 24 anos matriculada, contra 38% no Chile e 82% nos Estados Unidos. Nossa expansão universitária é ilusória, está abaixo, inclusive, da Bolívia.
Não se pode acusar as universidades de terem um nível fraco. Infelizmente, o problema é mais grave. Os alunos ingressantes não tiveram um ensino básico de boa qualidade. Então, não é possível simplesmente dizer que universidade privada é pior do que uma tradicional instituição particular ou pública. As mais tradicionais, além de serem boas, recebem alunos de melhor qualidade. Nesse contexto, o que vale é o valor agregado. A universidade não pode ser responsável por uma pessoa de 30 anos que não teve boa alimentação e educação. A responsabilidade dela restringe-se aos quatro ou cinco anos que esse aluno fica em seus bancos.
Aprendiz: Mas a situação é a adequada?
Freitas Jr.: É necessário mais investimento no ensino superior. Aqueles que não estão freqüentando os bancos de uma faculdade precisam de mecanismos governamentais para chegar lá. Investir nessa área não é caro e sempre traz algum retorno. Na Coréia do Sul, por exemplo, é feito um sistema de vaucher. Por meio dele, o estudante tem acesso ao ensino superior e depois de graduado, paga pelo curso. No contexto brasileiro, não adianta só investir no acesso. É preciso garantir a permanência, pois grande parte do alunado é muito pobre e as instituições de ensino também se prejudicam com os altos índices de inadimplência. Não é que as pessoas sejam maus-caracteres, é o problema da realidade salarial do país.
Aprendiz: Quais as possíveis soluções para o contexto brasileiro?
Freitas Jr.: Acredito que o problema esteja no ensino básico. A primeira ação necessária é a capacitação e valorização do educador da educação básica. Oferecendo apenas R$500, não se seleciona o melhor. Por mais que haja esforços governamentais na capacitação do quadro profissional das escolas públicas, ela é muito mais uma idéia do que prática.
Aprendiz: Mas como assegurar pelo menos um curso superior de qualidade para esses jovens que tiveram problemas na educação básica?
Freitas Jr.: A educação superior não é só para ser doutor. É uma percepção errada acreditar que ensino superior deva ser erudito. É preciso oferecer para todos a possibilidade de crescer profissionalmente. O fato da classe social não pode ser mais um fator discriminatório na educação. Só 4% dos brasileiros têm ensino superior, contrário aos 40% do Canadá. É por isso que o Brasil é o Brasil e o Canadá é o Canadá...Dessa forma, o ensino tecnológico é uma boa alternativa. Formação de tecnólogos é fundamental e atenderia ao bojo de estudantes que não tem necessariamente vontade acadêmica. A questão da fiscalização, com exames como o Provão ou o Enade, é outra. A situação atual não é a ideal, mas é importante ressaltar que, até a década de 1950, só a elite tinha acesso ao ensino superior e segundo o governo federal, o prognóstico é de 10 milhões de estudantes de graduação até o final do segundo mandato do presidente Luis Inácio Lula da Silva. Para que isso realmente aconteça, é preciso que haja efetivamente uma participação social que questione as políticas e pressione pelo acesso e garantia do ensino superior.
Aprendiz: Sobre os sistemas de avaliação, como o senhor avalia a recusa dos estudantes a participarem dos exames? E qual a diferença qualitativa do Enade em relação ao antigo Provão?
Freitas Jr.: Primeiramente, é claro que os estudantes não querem o exame, pois não gostam de fazer prova. Mas eles precisam entender que, no fundo, os beneficiários são eles próprios, pois com os resultados é possível avaliar as instituições de ensino. Na época do Provão, por mais problemas que ele apresentasse, existia uma avaliação geral que não acontece agora. O Enade avalia por amostragem, o que acaba sendo muito falho. Se por exemplo, eu for na rua agora e fazer a média de peso de 10 pessoas aleatoriamente, terei um resultado x, mas se for para outra rua, com outras pessoas, essa média será diferente.
Aprendiz: Produzir simplesmente um ranking não acirra a competição entre as instituições, o que mercantilizaria ainda mais o ensino superior?
Freitas Jr.: O Provão fazia uma análise mais real do panorama universitário. Acredito que a competição entre as instituições seja extremamente saudável e deva existir.
Aprendiz: Como o senhor avalia a parceria que muitas universidades têm buscado com instituições estrangeiras?
Freitas Jr.: Acredito que todas as parcerias podem ser bastante benéficas, mas cabe ao Ministério da Educação (MEC) verificá-las. Desde que sadias, no mundo globalizado atual, elas são fundamentais. A Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer), por exemplo, usa tecnologia de motores ingleses. A TAM, a GOL e a Varig - empresas de aviação - têm parcerias no exterior. Nossos times de futebol fazem parcerias. É fundamental que nossos estudantes também tenham experiências internacionais. Os chineses, por exemplo, mandam seus estudantes estudar fora do país. Convênios com instituições de renome podem ser muito interessantes, desde que os interesses sejam contemplados dos dois lados da parceria.
Aprendiz: E a questão das fundações nas universidades públicas?
Freitas Jr.: Bom, nas universidades públicas a história é outra. Deve ser uma decisão governamental, ou é tudo gratuito ou não é nada. As fundações só fazem excluir o já excluído pobre. Ou cobra de todo mundo ou de ninguém. Com as fundações há uma dicotomia na universidade pública, pois, por exemplo, ganham prestígio e dinheiro extra em cursos por elas apoiados. Enquanto que a Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) oferece cursos pagos, a Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (FFLCH) não consegue proporcionar lucros para as empresas privadas e por isso vira um curso para pobres. Isso é absurdo. É muito comum os professores de Administração terem salários muito superiores aos dos de Filosofia. É uma realidade psicótica, associando lucro à produção acadêmica. Não dá para conceber alguns professores de universidades públicas andando de BMW porque dão consultoria utilizando o nome da universidade em nome da pessoa física.
Aprendiz: Como o senhor vê os exames de ingresso na universidade, como por exemplo, o vestibular?
Freitas Jr.: Sou a favor de que o acesso à educação seja o mais aberto possível, mas a realidade nos países desenvolvidos é diferente. Nos Estados Unidos, existem, por exemplo, as Comunity Colleges (Universidades da Comunidade) que recebem alunos praticamente sem exame. Agora, existem umas 50 universidades norte-americanas que competem brutalmente pelos estudantes bons, independente da classe social. Porém, acredito que a educação deva ser por mérito. Como existem poucas vagas no Brasil, deve existir algum exame, algum processo seletivo. Cartas de recomendação como as que existem nos Estados Unidos de nada adiantariam no Brasil, pois aqui todo mundo só sabe escrever carta de recomendação positiva. (Fonte:
http://www.uol.com.br/ - Portal Aprendiz)