Inovação e desenvolvimento
Gilson Schwartz
Guilherme Ary Plonski
O BRASIL novamente se defronta com o desafio histórico de realizar um salto de desenvolvimento: reservas internacionais em nível recorde, contas públicas contidas, ambiente internacional tenso -mas com vigor suficiente para dar dinamismo ao setor externo da economia, na iminência da premiação do país pelas agências globais de classificação de risco.
Como em poucas vezes na história deste país, estão dadas as condições de financiamento, inserção internacional e organização empresarial para aumentar significativamente a taxa média de crescimento econômico e de consumo popular.
De fato, em várias outras oportunidades, o país reuniu condições igualmente extraordinárias de crescimento -em alguns casos, falou-se até em "milagre". Como se sabe, no entanto, o bolo cresceu muitas vezes sem ser distribuído sequer razoavelmente.
E nunca é demais lembrar que o crédito, mesmo quando abundante, significa o adiamento de uma despesa, e não a elevação sem limites da capacidade de gasto (como estão aprendendo a duras penas os credores e devedores do sistema imobiliário norte-americano, com repercussões em todo o mundo). Os dados mais recentes do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) indicam uma espetacular taxa de crescimento, chinesa, no consumo e na renda de setores de menor renda na economia brasileira. As causas são amplamente conhecidas: da queda na inflação que tira do assalariado a canga mensal sobre o salário à expansão do crédito reforçada pela queda nos juros que a inflação menor permite, a receita do círculo virtuoso tem funcionado, em movimento amparado pela incessante acumulação de reservas num cenário internacional de liquidez abundante.
Porém, como sempre neste país, a questão central é agir para que a retomada do crescimento ocorra de forma sustentável não apenas na ótica macroeconômica clássica (inflação, câmbio e juros) mas sobretudo na perspectiva do desenvolvimento humano, ou seja, da distribuição de renda, poder e conhecimento.
A inserção virtuosa na globalização e a criação de novos mercados são condições para que o impulso ao consumo de massa, popular e da baixa renda dos últimos anos seja convertido em aumento da produtividade, do investimento e, cada vez mais, da inteligência nos negócios.
A complexidade e a competição inteligente formam um cenário inédito na história do capitalismo, a exigir de empresas, governos, universidades e organizações da sociedade civil novas competências de negociação, comunicação e redes de confiança.
As redes de informação e comunicação digitais podem cumprir uma função comunitária dando impulso a uma "inteligência cívica", resultado e requisito da inteligência nos negócios. Os desafios de formulação de políticas públicas e estratégias privadas de gestão dessas novas tecnologias constituem um fulcro da reconstrução da cidadania, da República e da solidariedade.
Há possibilidades de emancipação digital por meio da colaboração entre setor público e setor privado na solução dos problemas nacionais, do uso das tecnologias de informação e comunicação em favor do desenvolvimento humano e de um foco intensivo na inovação como elo entre crescimento econômico e distribuição de renda.
O país está preparado macroeconômica e institucionalmente para um salto de desenvolvimento, uma reconfiguração de seus domínios no espaço, no tempo e no universo digital. O salto não depende apenas da existência de recursos fiscais, de mecanismos de financiamento ou de descobertas científicas. Todos esses elementos estão presentes neste momento do século 21, mas o Brasil parece retardatário diante das economias de referência, os chamados Brics (com Rússia, Índia e China).
Nesses países as taxas de crescimento do consumo, do investimento, das reservas internacionais e de bem-estar social estão associadas, se é que não resultam mesmo, de taxas igualmente aceleradas de desenvolvimento tecnológico, científico e educacional. Nos três casos, as parcerias entre setor público, setor privado e instituições de ensino e pesquisa são evidentes e cada vez mais intensas. Cabe à sociedade brasileira assumir o desafio e constituir uma nova cidadania fundada no conhecimento, na cultura, na educação e na tecnologia.
GILSON SCHWARTZ , economista, sociólogo e jornalista, é criador e líder do grupo de pesquisa Cidade do Conhecimento (
www.cidade.usp.br ), da Escola de Comunicações e Artes da USP, e professor de iconomia da USP. Autor do livro "As Profissões do Futuro" (Publifolha, 2001).
GUILHERME ARY PLONSKI , engenheiro, é coordenador científico do Núcleo de Política e Gestão Tecnológica da USP, professor titular da Faculdade de Economia e Administração e professor associado da Poli, ambas da USP. Foi diretor superintendente do IPT (2001-2006).